Está uma noite estrelada, embora um pouco fria. Nada que incomode Miguel. “Iá, o frio, man, não me aquece nem me arrefece, iá? Tenho, tipo, um, iá, blusão de penas que gamei a um sócio lá em Xabregas, ‘tás a ver? Mem’ assim, iá? É bué da bom o blusão, man, custava trezentos euros na boa, iá? Caguei pró frio”.
Miguel é um jovem que cresceu nos subúrbios. Sabe de cor a cartilha dos pequenos assaltos, é bastante hábil quando toca a escaramuças, domina a linguagem dos bairros e, para além disto, conhece o futebol profissional por dentro. O bichinho do futebol cedo se atravessou no seu caminho e, surpreendentemente, Miguel não o esmagou e conservou-o numa caixinha de cartão com uma folhinha de alface. Assim sendo, o menino Miguel deu por concluída a sua prestação escolar antes do previsto e, como consequência, falhou o sonho que movia todos os meninos do seu bairro: ser um narcotraficante com um Mestrado em Sociologia que também lançasse álbuns de hip-hop na Florida. O chamamento da redondinha prevaleceria ao longo da sua vida. E todos os grandes futebolistas se lembram do seu primeiro contacto com o esférico. Miguel não é excepção. “Eu, tipo, mais a minha crew, iá?, demos a boca a uma bola de cautchu que o betinho lá da escola levou um dia e, iá, foi assim que tudo começou, foi aí que eu dei os meus primeiros pontapés num objecto, iá?, que eu só me habituara a mandar biqueiradas nos meus amigos. Eu ainda era muito tenrinho. Depois, claro que evoluí, iá? Tipo, deixámos o betinho na boa e fomos directamente à loja de desporto, iá? ‘Tás a ver, só cenas tipo Adidas, Puma e Rucanor e eu, iá, é mem’ assim, quero ser jogador da bola e andar aí a curtir tipo mega-estrela dos Ídolos, cenas de marca e o caraças“. [NDR: Miguel utilizou várias vezes um sinónimo que rima com “alho”, que só por decoro nos escusamos de repetir] É claro que nem tudo foram rosas na carreira. Houve alguns reveses. “Iá, é assim, o primeiro foi logo o prof de Português, começou a stressar comigo por me baldar às aulas para jogar à bola e a dizer que chamava os meus cotas e cenas do género, mem’ naquela, a ameaçar-me, ‘tás a ver? Mas eu, iá, não podia parar e a crew da minha street tratou logo dele, iá? Tipo, demos-lhe um ganda enxerto da porrada, mem’ à frente da escola, que era para que todo o people visse. Iá, foi aí que eu senti o poder da bola a chamar por mim. Pá, e eu senti o people todo comigo, ‘tás a ver? Ganda cena, iá? Tens de sentir a cena, man. E seguir em frente".
Hoje Miguel sabe que as dificuldades inerentes ao profissionalismo persistem e, mais maduro, deixa alguns conselhos àqueles que pretendem seguir as suas pisadas. “Man, há cenas de que eu me arrependi, iá? Tipo, o tal enxerto que demos ao prof. Foi má onda. Quando eu tive a minha primeira fusca, disse logo pra mim, «pá, ó Miguelito, tu com esta cena é que devias ter ido aos cornos do prof, tinha doído menos as mãos», iá? Mas, prontos, são cenas. O que eu digo aos putos é para andarem armados. Iá, tipo, mete um ganda cenário. E é assim, treinem os vossos pontos fortes. Por exemplo, ao fugir da bófia e dos picas no comboio, eu treinei os sprints e as fintas de corpo que me levaram a ser um ganda lateral hoje em dia. E sou capaz de tirar a cinza de um cigarro a um tipo a fumar à janela dum rés-do-chão dos Olivais com um tiro de 6,35 mm, estando eu em Chelas, iá? É muito treino. Respect”.
Ver Miguel, o menino dos bairros problemáticos ignorados pelos centros de poder, a receber um prémio encerra em si um enorme significado. “Pá, iá, sinto que mereço, sou suficientemente humilde para reconhecê-lo, ‘tás a ver?”. Miguel apresentou-se vestido com a sua farda oficial de hip-hopper, deslumbrante com o seu boné estrategicamente mal colocado e não esquecendo os ornamentos fundamentais, de que é exemplo a arma. Miúdas de 14 anos gritaram muito e soltaram muitos palavrões de desejo na sua direcção, num delírio colectivo pseudo-espontâneo bem à imagem da MTV. Porém, Miguel revela já ser comprometido. “A Marlene [NDR: o nome que Miguel dá à sua arma] anda sempre comigo. A Marlene é a minha dama, iá? 4 real. Já tive muitas damas, iá?, tipo a Jessica Carina das Olaias, mas quando vi a Marlene, man, senti uma cena do caraças. E a Marlene tem uma personalidade forte e é muita rápida, tipo, iá, tipo, somos tipo, tipo do mesmo tipo, iá? São cenas bué difíceis de explicar. E depois a Marlene abafou a Jessica Carina, que ficou paraplégica, e conquistou a minha crew e, iá, ela é bué importante para a minha estabilidade emocional. Há cenas que um gajo pensa que são definitivas e que depois não são, como aquela tatuagem do Tupac Shakur que o meu primo me fez aos 16 anos e que depois saiu com álcool, mas esta cena da Marlene é para a vida, ‘tás a ver? É uma cena que ‘tá aqui, iá?”, diz Miguel com os olhos humedecidos, pousando uma mão sobre o coração e agarrando firme o Rui Óscar com a outra mão. E como Miguel, o menino de infância turbulenta, se sente agora, exposto na mediática prateleira do sucesso? Podia haver algum nervoso miudinho antes de entrar em palco, como seria natural, todavia Miguel assegura-nos que nada disso se passou. Com a postura característica dos grandes homens. “Iá, ‘tava, tipo, uma beca cagado, iá, mas depois de fumar uma ganza king-size fiquei na boa. Tipo, o segredo é colares as mortalhas em «L». Se não sabes colar as mortalhas em «L» e não sabes centrar uma bola, esquece puto, isto da bola não é para ti, iá? E eu ‘tou sempre a representar, iá? Na boa, sócio”.Miguel é um jovem que cresceu nos subúrbios. Sabe de cor a cartilha dos pequenos assaltos, é bastante hábil quando toca a escaramuças, domina a linguagem dos bairros e, para além disto, conhece o futebol profissional por dentro. O bichinho do futebol cedo se atravessou no seu caminho e, surpreendentemente, Miguel não o esmagou e conservou-o numa caixinha de cartão com uma folhinha de alface. Assim sendo, o menino Miguel deu por concluída a sua prestação escolar antes do previsto e, como consequência, falhou o sonho que movia todos os meninos do seu bairro: ser um narcotraficante com um Mestrado em Sociologia que também lançasse álbuns de hip-hop na Florida. O chamamento da redondinha prevaleceria ao longo da sua vida. E todos os grandes futebolistas se lembram do seu primeiro contacto com o esférico. Miguel não é excepção. “Eu, tipo, mais a minha crew, iá?, demos a boca a uma bola de cautchu que o betinho lá da escola levou um dia e, iá, foi assim que tudo começou, foi aí que eu dei os meus primeiros pontapés num objecto, iá?, que eu só me habituara a mandar biqueiradas nos meus amigos. Eu ainda era muito tenrinho. Depois, claro que evoluí, iá? Tipo, deixámos o betinho na boa e fomos directamente à loja de desporto, iá? ‘Tás a ver, só cenas tipo Adidas, Puma e Rucanor e eu, iá, é mem’ assim, quero ser jogador da bola e andar aí a curtir tipo mega-estrela dos Ídolos, cenas de marca e o caraças“. [NDR: Miguel utilizou várias vezes um sinónimo que rima com “alho”, que só por decoro nos escusamos de repetir] É claro que nem tudo foram rosas na carreira. Houve alguns reveses. “Iá, é assim, o primeiro foi logo o prof de Português, começou a stressar comigo por me baldar às aulas para jogar à bola e a dizer que chamava os meus cotas e cenas do género, mem’ naquela, a ameaçar-me, ‘tás a ver? Mas eu, iá, não podia parar e a crew da minha street tratou logo dele, iá? Tipo, demos-lhe um ganda enxerto da porrada, mem’ à frente da escola, que era para que todo o people visse. Iá, foi aí que eu senti o poder da bola a chamar por mim. Pá, e eu senti o people todo comigo, ‘tás a ver? Ganda cena, iá? Tens de sentir a cena, man. E seguir em frente".
Hoje Miguel sabe que as dificuldades inerentes ao profissionalismo persistem e, mais maduro, deixa alguns conselhos àqueles que pretendem seguir as suas pisadas. “Man, há cenas de que eu me arrependi, iá? Tipo, o tal enxerto que demos ao prof. Foi má onda. Quando eu tive a minha primeira fusca, disse logo pra mim, «pá, ó Miguelito, tu com esta cena é que devias ter ido aos cornos do prof, tinha doído menos as mãos», iá? Mas, prontos, são cenas. O que eu digo aos putos é para andarem armados. Iá, tipo, mete um ganda cenário. E é assim, treinem os vossos pontos fortes. Por exemplo, ao fugir da bófia e dos picas no comboio, eu treinei os sprints e as fintas de corpo que me levaram a ser um ganda lateral hoje em dia. E sou capaz de tirar a cinza de um cigarro a um tipo a fumar à janela dum rés-do-chão dos Olivais com um tiro de 6,35 mm, estando eu em Chelas, iá? É muito treino. Respect”.
Recebido o galardão, Miguel pega na sua tribo de amigos e celebra em conjunto com um rap improvisado na hora. Está ansioso em partir para a festa. “Iá, agora é curtir, man, e mamar as litradas de cerveja que orientámos no Lidl. Eu sou tipo a Cyndi Lauper e digo «girls just want to have fun», mas tiro a parte das «girls» e meto lá outra cena qualquer, iá? Tipo, «bois», que somos nós, ‘tás a ver? Curtiste a cena? AHAHAHAH!, people do gueto é do caraças, man, ganda humor, mem’ naquela. Quero é ‘tar sempre a bombar, sempre na boa, iá?”. A noite está fresquinha mas Miguel continua a altas rotações fora da Gala Cromos da Bola 2009. Não havia segurança capaz de o deter. Este lateral direito é imparável.
NOTA DA DIRECÇÃO DA CROMOS DA BOLA, SAD: A peça acima reproduzida não retrata as pressões indignas que a Cromos da Bola, SAD sofreu na sequência do anúncio da entrega dos Rui Óscares 2009. Quando nos preparávamos para atribuir o Rui Óscar para o melhor filme criminal, Miguel “ofereceu-se” para receber o galardão da forma que passamos a citar: “Iá, ganda mambo, quero essa cena pra mim, sócio”. Dado que os seus argumentos eram irrecusáveis, nomeadamente, a parte da arma na sua mão, a SAD acedeu com algumas reservas, tendo em vista o superior desígnio que é a prossecução do evento. O título do filme é uma transcrição do que Miguel nos disse na altura: “Man, não vou o quê? Eu vou entrar, iá? E é bom que entre na boa, sócio… ‘Tás a ver? Sócio, tudo o que tiveres nesses bolsos é meu”.
A todos os que perderam a carteira nesta cerimónia a organização lamenta mas declina quaisquer responsabilidades.
Ainda nos meandros do crime, cabe à SAD declarar que o grande indigitado para vencedor desta categoria era Pinto da Costa, mas a SAD à última hora escutou, numa das suas costumeiras conversas ao telemóvel, que Pinto da Costa não viria receber o galardão. Isto porque Pinto da Costa detém uma enorme fobia a máquinas fotográficas, como certos jornalistas já sentiram numa dada rua do Porto. O sentimento é ilustrado pela foto abaixo. Como há muitos flashes neste certame promovido pela nossa SAD, e julgando que tal poderia perturbar o andamento da cerimónia, a SAD optou por não convidar Pinto da Costa. Este, porém, mostrou-se bastante honrado e transmitiu-nos a ideia de beber um galãozinho com fruta em nossa honra e de dedicar o prémio à memória do Guarda Abel. E a nossa SAD, numa outra escuta que acedeu, confirmou que este sentimento de empatia para com a nossa SAD é verídico, pois ouviu Pinto da Costa a aconselhar o Valeri “Ó morcão, tens um sítio porreiro para visitar num destes dias e onde te vais sentir como Peixe na água, que é aquele blogue de atrasados mentais”, ao que Valeri respondeu “Sí, señor Presidente, como un centrocampista muy guapo en el agua”.
1 comentário:
4 real, nuff said e mad props ao ppl da zona j. por favor não façam nada com a minha carteira que eu não fizesse.
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